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Paleo XXI e Diabetes: A minha história pode ser a sua

Aos 19 anos, no dia 4 de Janeiro de 2013 fui diagnosticada com diabetes mellitus tipo 1. O resultado da minha hemoglobina glicada* nesse dia bateu o record de 10,9%, sendo que os valores de referência para este marcador são números num intervalo compreendido entre 4 e 5,5%, para pessoas saudáveis.


* Hemoglobina glicada (HbA1c) - Forma de hemoglobina presente nos glóbulos vermelhos que reage de forma irreversível com a glucose presente no plasma sanguíneo; é um exame de sangue muito utilizado para monitorizar pacientes com diabetes por ser eficaz a avaliar os níveis médios de glucose sanguínea dos últimos 2/3 meses.


Fui imediatamente prescrita com 2 regimes de insulina, uma que teria de administrar a todas as refeições e uma outra basal que permanecesse em baixa concentração no sangue durante as 24h. Trabalhei diligentemente para reformular o meu estilo de vida e fazer tudo de acordo com o que médicos e nutricionistas me ensinaram.


Até há bem pouco tempo vivi na ilusão de que tinha aceite o meu diagnóstico e de que geria bem a doença, no entanto a diabetes obrigou-me a fazer alterações tão significativas na minha vida que já não sabia o que era bem estar, quer a nível físico, quer emocional.


As minhas desavenças com a diabetes eram causadas pela imprevisibilidade inerente à doença. Sofria de variações glicémicas tão devastadoras ao longo do dia que o stress e a frustração de não estar em controlo e de me ver a perder vitalidade se apoderavam do meu corpo.


Por tudo isto, decidi fazer a transição para um estilo de vida Paleo XXI (abordagem primal). Na altura em que comecei, a minha HbA1c estava muito acima do desejável para um diabético com um bom controlo glicémico (8,5%). Passados 2 anos, demonstrava já uma grande melhoria, com uma HbA1c de 6,8% e tudo indica que atualmente, 3 anos depois, irei finalmente estar dentro dos valores de referência para um adulto com diabetes (< 6,5%).


Já não vivo em função da diabetes, com diversas refeições ao longo do dia em horas pré-determinadas. Em vez disso, faço diariamente a gestão baseada no meu estilo de vida e apetite. Já não sofro diariamente com exaustão, dificuldade de raciocínio, pensamentos de ângustia e receio, nem problemas que advém de um pobre controlo da diabetes, tais como infeções recorrentes, enxaquecas, ataques de pânico e/ou ansiedade, sede e fome constantes e dores musculares.


A Paleo XXI foi o melhor que me poderia ter acontecido, é um estilo de vida onde a proteína animal e vegetal têm grande importância, bem como gorduras saudáveis e fibras, é pobre em sódio mas rica em potássio, providencia vitaminas, minerais, fitoquímicos e antioxidantes e como bónus, é naturalmente mais pobre em hidratos de carbono do que as dietas padrão para diabéticos.


Uma vez que neste estilo de vida evitamos alimentos ultraprocessados, refeições pré-feitas e fast food, as pessoas que seguem com sucesso têm um melhor controlo glicémico, níveis mais saudáveis de colesterol total, redução de triglicéridos, mais energia e vitalidade. Como consequência positiva, alguns diabéticos poderão também conseguir perder o peso desejado.


Mas não nos deixemos enganar, cada indivíduo com diabetes é único, seja tipo 1 ou tipo 2. Enquanto uns têm mais resistência à insulina, outros são mais sensíveis e isso acaba por afetar as escolhas alimentares de uma forma muito pessoal.


Há que ter um profundo conhecimento do impacto dos alimentos na própria glicémia, saber quando comer os mais ricos em hidratos de carbono e estabelecer porções que não tornem o controlo demasiado desafiante.


É impossível normalizar a glicémia a menos que se consiga predizer os efeitos dos alimentos ingeridos. Se o doente não consegue predizer a maneira como a sua glicémia vai variar em resposta ao alimento, então não consegue predizer exatamente a dose de insulina ou de fármacos para reduzir o açúcar no sangue que tem de administrar/tomar.


Citando o Dr. Richard Bernstein, “big inputs make big mistakes”, quer isto dizer que muitos sistemas biológicos respondem de uma maneira previsível a pequenos estímulos, mas de maneira caótica e menos previsível a grandes estímulos.


A recomendação diária para ingestão de hidratos de carbono é de pelo menos 84 gramas por refeição principal, o que, na minha opinião, por experiência própria, é excessivo e incompatível para um bom controlo glicémico.


Em teoria, podemos calcular exatamente a quantidade de hidratos numa tigela de arroz, de acordo com a informação nutricional providênciada no rótulo da embalagem e acabar com uma glicémia igual àquela que tinhamos antes da refeição. Na prática, isto raramente ou nunca acontece. Um dos motivos pelo qual os cálculos não batem certo é o facto de ser permitido, segundo as normas europeias, margens de erro elevadas na quantificação de hidratos de carbono na rotulagem de alimentos.


Quando um produto alimentar tem <10g de hidratos de carbono por 100g, a margem de erro permitida é de ± 1,5g, quando tem entre 10-40g, a margem de erro permitida é de ±20% e quando tem >40 g a margem de erro permitida é de ± 8g.

Isto é importante porque:


➡️ 1g de hidratos de carbono consumidos sobe, em média, a glicémia em 5mg/dl;

➡️ 1 unidade de insulina desce em média, a glicémia em 50mg/dl;

➡️ Se por exemplo, consumir em arroz o equivalente a 84g de hidratos de carbono, que é o valor recomendado por refeição, numa dieta típica para diabéticos, então a margem de erro nos cálculos é de 20%, ou seja, mais ou menos 16.8g de hidratos de carbono.


Esta variação, que é bastante significativa, torna-se problemática quando se tenta predizer a quantidade de insulina a administrar. Por este motivo, se reduzirmos a quantidade de hidratos consumidos à refeição, substituindo-os por alimentos mais nutritivos e saciantes que causem uma menor e mais lenta subida da glicémia, estamos também a reduzir estas margens de erro, diminuindo a ocorrência dos erros de dosagem e facilitando a normalização dos níveis de glicémia.


Para os diabéticos insulinodependentes, existe ainda uma preocupação adicional, a inflamação local causada pela injeção, que se manifesta sintomaticamente como vermelhidão, inchaço, calor e/ou dor localizada. Esta inflamação dificulta a absorção e a resposta da insulina no organismo e é tanto maior quanto maior for a dose de insulina administrada. Por este motivo, a injeção de menores quantidades de insulina (como consequência de um reduzido consumo de hidratos) é preferível.


O truque é fazer menos refeições diárias (3 por dia seria o ideal), mais focadas num consumo baixo a moderado de hidratos de absorção lenta e mais ricas em proteína e gorduras saudáveis. Pessoalmente, tenho apontado para um consumo de 30-100g de hidratos por dia, tentando não administrar mais de 5 unidades de insulina por refeição.


Apesar destas recomendações serem diferentes de tudo o que provavelmente ouviu até hoje, este tipo de abordagem já demonstrou bons resultados em estudos observacionais e em ensaios clínicos randomizados controlados. Destacam-se os seguintes benefícios de uma dieta paleo com base na literatura atual:


➡️ Melhoria no controlo glicémico e diminuição da HbA1c;

➡️ Saciante, diminui a vontade de fazer snacks ao longo do dia;

➡️ Ajuda na perda de peso;

➡️ Fácil de aderir e sem restrição de grupos de alimentos (apenas atenção e moderação);

➡️ Flexível;

➡️ Permite ao diabético tipo 2 ter glicémias dentro dos valores de referência para pessoas saudáveis, sem auxílio da medicação (possibilidade de reversão da diabetes tipo 2); ➡️ Menor chance de hiperglicémias;

➡️ Menor risco de hipoglicémia severa;

➡️ Redução da resistência à insulina;

➡️ Mais energia e vitalidade;

➡️ Raciocínio mais limpo;

➡️ Redução da pressão arterial diastólica;

➡️ Diminuição da concentração de triglicéridos em circulação;

➡️ Menor risco de desenvolver complicações a longo termo;


Considerações finais:


1) A ressaca de hidratos de carbono (do inglês low carb flu) é um efeito secundário frequente, especialmente se o consumo de açúcares antes do início desta alimentação, era elevado. Algumas pessoas poderão experienciar fadiga, dores de cabeça e falta de energia, que deverão resolver em menos de 1-2 semanas;


2) As glicémias vão muito provavelmente começar a baixar em resposta à alimentação e algumas pessoas poderão experiênciar hipoglicémias (baixa de glucose no sangue);


3) Os diabéticos tipo 1 poderão sentir a necessidade de reduzir a dose de insulina lenta e os diabéticos tipo 2 de reduzirem a medicação oral (e/ou insulina);


4) Passado o ajuste inicial da medicação, a restrição de hidratos de carbono permite a minimização das doses de insulina e consequentemente a diminuição do número de hipoglicémias e do tempo passado em hipoglicémia;


5) As injeções de insulina não deverão exceder as 7 unidades por local, os locais da injeção deverão ser rotativos e as agulhas não deverão ser reutilizadas;


6) Não ter medo de ser proativo, mas ao mesmo tempo ser frontal e discutir com o profissional de saúde responsável pelo tratamento este tipo de abordagem e pedir apoio quando for necessário. Um bom profissional apoiá-lo-á na sua escolha;


7) Esta alimentação não é uma cura, pode ajudar a estabilizar as glicémias e a ter um melhor controlo, mas o doente continua a ter de fazer a monitorização, contagem de hidratos de carbono e gestão;


8) É possível minimizar as complicações da diabetes e viver com qualidade de vida! Este para mim é o ponto mais importante a reter, isto era a peça que faltava no meu puzzle, agora completo, graças à alimentação paleo.


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