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Refrigerantes vs Sumos de Fruta

Este texto tem como objetivo rever o artigo publicado na passada quarta-feira, no jornal científico BMJ.

Como já seria de esperar, a comunicação social pegou neste artigo e chocou o país com headlines em todas as revistas ou jornais.


A linguagem científica é muito própria e um tanto difícil de compreender por parte da população em geral, portanto espero poder ajudar um pouco na compreensão deste artigo.


Será que um refrigerante é comparável a um sumo de fruta? Será este risco de cancro real? Será que estamos a salvo de alguma coisa?


Consumo de bebidas açúcaradas e risco de cancro: resultados da coorte prospetiva da NutriNet-Santé


Objetivo do estudo: Estabelecer uma associação entre o consumo de bebidas açúcaradas (nesta categoria incluem-se bebidas adoçadas com açúcar e 100% sumos de fruta), bebidas adoçadas artificialmente e o risco de cancro.


Neste estudo de 5 anos de duração, participaram 102,257 indivíduos com mais de 18 anos. Os consumos foram avaliados utilizando questionários antropométricos realizados online pelos participantes, onde constavam cerca de 3300 diferentes alimentos e bebidas. Em cada região os participantes também foram convidados, numa base voluntária, a visitar centros especificamente montados para realizar análises clinícas e recolha de amostras biológicas. Os participantes foram acompanhados entre os anos de 2009 e 2018.


Vários fatores de risco para o diagnóstico de cancro foram tido em conta, tais como a idade, género, nível de escolaridade, história familiar, tabagismo e prática de atividade física.


Enquadramento teórico: Entre 1990 e 2016 o consumo de bebidas açúcaradas e adoçadas artificialmente aumentou cerca de 40% em todo o mundo. Sabe-se que o consumo deste tipo de bebidas está associado ao risco de ganho de peso, obesidade, maior incidência de diabetes tipo 2, maior risco de hipertensão e morte por doenças cardiometabólicas.


Julgava-se que bebidas adoçadas artificialmente seriam uma alternativa mais saudável, no entanto, foram associadas com uma maior incidência de hipertensão, obesidade e diabetes tipo 2. Para além disso, algumas bebidas adoçadas artificialmente alteram a composição da nossa microbiota intestinal, sugerindo-se que contribuam para o aumento da intolerância à glucose.


Apesar de até este momento a relação dos sumos com o cancro ser pouco estudada, sabe-se que a obesidade é um dos maiores fatores de risco para aparecimento de vários tipo de cancro, entre eles, boca, laringe, faringe, esófago, estômago, pâncreas, vesícula, fígado, coloretal, mama, ovários, endométrio, próstata e rins.


Para além da obesidade, causas subjacentes à ligação entre bebidas açúcaradas e cancro, podem envolver a resistência à insulina causada pelo alto índice ou carga glicémica (hidratos de carbono totais) que tem sido relacionada com aparecimento de cancro da mama, fígado e carcinomas relacionados com a diabetes.


Também os compostos químicos adicionados a bebidas açúcaradas que contenham por exemplo corante caramelo (possivelmente carcinogénico, segundo a IARC) ou adoçantes artificiais, como o aspartamo, bem como os pesticidas colocados nas frutas e presentes nos sumos, podem ser fatores muito importantes para o despoletar da carcinogénese.


Resultados do estudo: O consumo diário de bebidas açúcaradas (adoçadas com açúcar ou 100% sumo de fruta) e adoçadas artificialmente foi calculado e os primeiros casos de cancro reportados pelos participantes, foram validados por registos médicos.


A média do consumo diário deste tipo de bebidas é maior nos homens (90,3ml) do que nas mulheres (74,6ml). Durante o acompanhamento destes participantes, 2193 cancros foram diagnosticados, de entre os quais, houve 693 diagnósticos de cancro da mama, com idade média, na altura de diagnóstico, de 59 anos.


Verificou-se que um aumento no consumo de bebidas açúcaradas foi positivamente associado com o risco total de cancro e com cancro da mama em específico. O consumo quer de bebidas adoçadas com açúcar, quer 100% sumo de fruta foi associado a um maior risco total de cancro.


Um incremento de 100ml de sumo por dia foi associado com um aumento do risco relativo em 18% para o número total de cancros e um risco relativo de 22% para cancro da mama. Em termos de risco absoluto, nada se pode inferir, uma vez que apenas se comparam participantes que bebem diferentes quantidades de sumo diariamente e nunca se faz a comparaão em relação a quem não consome este tipo de produtos.


Discussão: Apesar dos sumos de fruta promoverem uma imagem de saúde na população em geral e apesar de alguns estudos sugerirem que têm um menor risco para a saúde do que bebidas adoçadas com açúcar, os sumos de fruta geralmente contém um elevado teor de açúcar (glucose e frutose), por vezes mais elevado do que num refrigerante.


O excesso de peso e a adiposidade não serão as únicas causas que ligam o consumo de bebidas açúcaradas com o cancro, até porque tem sido sugerido que, independentemente do peso, estas bebidas promovem a acumulação de gordura visceral.


Um outro aspeto a ter em conta é o alto indíce ou carga glicémica das bebidas açúcaradas, uma vez que estes estão associados a hiperinsulinémia e diabetes do tipo 2, ambos potencialmente envolvidos na carcinogénese do cancro da mama.


Além disso a carga glicémica está associada ao aumento de marcadores pró-inflamatórios, como a proteína C reativa (PCR), o que sugere que a inflamação sistémica aumenta o risco de vários cancros, incluindo cancro da mama e carcinomas relacionados com a diabetes (fígado, pâncreas, endométrio, colorectal, mama e bexiga).

Por fim, os produtos finais da glicação avançada (AGEs) presentes em várias bebidas açúcaradas traduzem-se em complicações vasculares para pacientes com ou sem diabetes.


Conclusão: Este é um estudo observacional que não pode estabelecer uma causa/efeito, apenas uma correlação.

É um estudo baseado em questionários de frequência e portanto a força da evidência é, na minha opinião, fraca.


No entanto é um estudo com um elevado número de participantes e os autores foram capazes de ajustar potenciais fatores confundentes. É um estudo replicável e com resultados consistentes.


Água, chá não adoçado e café não foram associados com cancro neste estudo.


Os resultados suportam a relevância das atuais recomendações para limite do consumo de bebidas açúcaradas, incluindo sumos de fruta, que pode potencialmente contribuir para a redução da incidência do cancro.

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